Os donos do mundo e seus sábios reunidos em Copenhague ainda não se entenderam sobre como salvar o planeta. A COP15 já funcionou, porém, como uma martelada na cabeça dos líderes, alertando-os para a superlotação da Terra e a dramática escassez de recursos naturais
Fome de água, ar e comida
Antes que você acabe de ler esta frase, terão nascido no mundo quarenta bebês, enquanto vinte de nós terão deixado o plano material para prestar contas a Deus. O saldo é a chegada, a cada dez segundos, de vinte novos moradores da Terra, prontos para crescer, estudar, trabalhar, namorar, casar e ter filhos. Há dez anos, em 1999, o planeta estava na confortável situação de receber cada novo morador com comida e água na quantidade necessária para que ele conseguisse atingir seus sublimes objetivos na vida. De lá para cá, começou a se delinear um novo e desafiador cenário para a espécie humana. A demanda por comida e outros bens naturais passou a crescer mais rapidamente do que a oferta, como mostram as curvas desenhadas no globo da página anterior. Elas não foram parar ali por acaso. Aquele globo esverdeado e translúcido é, até agora, a imagem que melhor identifica a COP15, a reunião de representantes de 192 países que tem lugar em Copenhague, na Dinamarca. Esses senhores e seus assessores científicos têm como missão chegar a um acordo mundial para conter o ritmo do aquecimento global. Esse fenômeno é normalmente benéfico, mas saiu de controle, aparentemente como resultado da atividade industrial humana, e agora pode desarranjar o clima da Terra a ponto de ameaçar a sobrevivência de inúmeras espécies e impor um modo de vida mais áspero e severo à própria humanidade.
A COP15 acaba no fim da próxima semana, e seu encerramento está sendo esperado com tal ansiedade que muitos nem sequer cogitam, por assustadora, a possibilidade de um fracasso. Talvez se deva começar a pensar com mais realismo nessa possibilidade. Por razões metodológicas e ideológicas, e também para não ampliar em demasia a pauta das discussões, dificultando ainda mais um acordo final, a questão populacional está em plano secundaríssimo em Copenhague. É estranho que ela tenha sumido dos debates sobre as soluções do aquecimento global, quando se sabe que esteve na base do seu diagnóstico desde o primeiro momento em que o aquecimento global foi visto como um perigo potencial. Quando o físico sueco Svante Arrhenius concluiu seus cálculos pioneiros sobre o efeito das moléculas de gás carbônico (CO2) no aumento da temperatura média do planeta, em 1896, a Terra era habitada por cerca de 1 bilhão de pessoas. Arrhenius foi o primeiro a perceber que o aumento na concentração de CO2 poderia aquecer demais o planeta. Pouco mais de um século depois do trabalho do sueco, a Terra tem 6,8 bilhões de habitantes e caminha para os 9,2 bilhões por volta de 2050. Serão 2,5 bilhões de pessoas a mais, e, graças ao sucesso da globalização econômica, a maioria delas atingirá um padrão de consumo de classe média. Isso tem um peso extraordinário não apenas na equação do aquecimento global, mas no frágil equilíbrio que a civilização ainda consegue manter em suas relações de rapina com o mundo natural. É enorme o impacto da explosão populacional aliado à emergência social e econômica de imensas massas humanas antes fadadas à miséria. Seus efeitos já se fazem sentir no aumento da demanda de alimentos em ritmo superior ao da oferta, como mostram as curvas do gráfico sobreposto ao globo-símbolo da COP15 nas páginas de abertura desta reportagem.
Vivo estivesse, o sueco Svante Arrhenius enfatizaria em Copenhague o fator populacional no descontrole aparente em que se encontra o efeito estufa global. A cada dia que passa, o mundo tem de sustentar 213 000 pessoas a mais. Cada ser humano adulto produz, em média, 4,3 toneladas de gás carbônico por ano sem fazer nada de mais - apenas ao acender uma lâmpada, andar de carro ou ônibus, alimentar-se e vestir-se. Esses novos passageiros da espaçonave Terra, em conjunto, passarão a responder, então, por 880 000 toneladas a mais de carbono arremessado na atmosfera. As estimativas de aumento de emissões de gases de efeito estufa contemplam o choque populacional. O documento final do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU diz com clareza que "o crescimento do produto interno bruto per capita e o da população foram os principais determinantes do aumento das emissões globais durante as últimas três décadas do século XX". Outro relatório divulgado há menos de um mês pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) chama a atenção para o equívoco de desprezar o aumento populacional no debate sobre o aquecimento: "Os gases de efeito estufa não estariam se acumulando de modo tão perigoso se o número de habitantes da Terra não aumentasse tão rapidamente, mas permanecesse em 300 milhões de pessoas, a população mundial de 1 000 anos atrás". O intrigante é que, nas ações propostas para os próximos anos, o fator aumento da população desaparece.
O tema é realmente explosivo e tem conotações sombrias, por erros cometidos no passado. Com razão ou não, muitas pessoas encaram qualquer sugestão para conter o ritmo de aumento populacional como uma interferência indevida de forças estranhas no livre-arbítrio de países, famílias e das próprias mães. Razões culturais e socioeconômicas contribuem para tirar qualquer efeito prático das assombrosas constatações do crescimento populacional desenfreado. São dois os motivos principais para isso. O primeiro é que existe uma inegável disparidade no volume de emissões individuais quando se comparam cidadãos de países ricos e pobres. Um americano joga, em média, 19 toneladas de gás carbônico na atmosfera anualmente. Um afegão morador das montanhas de seu belo país contribui com modestíssimos 26 quilos de CO2. Como exigir do montanhês afegão que - quando não foi recrutado pelo Talibã para plantar papoula, matéria-prima do ópio - vive do leite de suas cabras e da hortinha no quintal que refreie seus impulsos reprodutivos usando como argumento o peso que o pobre coitado está colocando sobre o planeta? É ridículo. A maior força moral está em convencer o bem-educado e bem nutrido americano médio a repensar seu modo de vida, optando por uma sobrevivência mais frugal. Vale dizer que, embora as conversões ao naturalismo e à alimentação orgânica se contem aos milhares todos os meses nos Estados Unidos, elas são insignificantes do ponto de vista global.
A segunda razão do encalacramento da questão populacional vem da noção, bastante razoável, diga-se, de que os avanços educacionais e os saltos tecnológicos são muito mais eficientes nesse caso do que qualquer política governamental. O dinamarquês Bjorn Lomborg, estrela no grupo dos cientistas céticos quanto aos efeitos do aquecimento global e à responsabilidade humana nele, está entre os que acreditam que a solução virá do avanço tecnológico. Disse Lomborg a VEJA: "Realmente o tema não é tratado aqui. Pela ordem, eu diria que conter o consumo é um pouco mais prioritário, mas, definitivamente, apressar a busca por novas tecnologias limpas é o mais importante de tudo". O economista carioca Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, que participa da COP15, descrê de qualquer política centralizada que vise a determinar ou influenciar os casais a respeito do número de filhos que devem ter. Ele lembra que a elevação do padrão cultural e educacional da população sempre coincide com a diminuição da taxa de fecundidade. "Quan-do se torna mais amplo o acesso à educação, à cultura e ao conhecimento, as populações passam a crescer em ritmo menor e até a decrescer", diz.
O caso brasileiro é ilustrativo dessa constatação. Há trinta anos, as mulheres brasileiras apre-sentavam taxas de fecundidade que se contavam entre as maiores do mundo, rivalizando com os padrões africanos. No começo da década de 90, a situação apresentava melhoras, mas ainda era preocupante. As mulheres do Brasil rural tinham então, em média, 4,3 filhos - dois a mais do que as mães urbanas. Uma década mais tarde, a diferença entre o número de filhos de mães rurais e urbanas se reduziu para 1,2. Em 2006, a taxa geral de fecundidade no Brasil havia estacionado em dois filhos por mulher. Um avanço cujo progresso só pode ser explicado pelos fatores apontados por Besserman, uma vez que as campanhas de controle de natalidade há muito foram desativadas no Brasil.
Fenômeno semelhante deve ocorrer na Ásia e na África com as melhorias educacionais e com o aumento da proporção da população urbana em relação à rural. Viver em cidades é um grande fator de diminuição do número de filhos. A ONU calcula que o somatório desses fatores terminará por estabilizar a população do planeta na casa dos 9 bilhões a partir do ano 2050. A questão é como chegar até lá sem grandes traumas. O prognóstico não é bom. Estudos científicos mostram que o mundo natural está sendo testado em seu limite para sustentar os atuais 6,8 bilhões de passageiros da espaçonave Terra. Segundo o OPT, organização inglesa que desenvolveu um indicador confiável de sustentabilidade, nos níveis tecnológicos atuais, o máximo que o planeta comporta sem risco de exaustão são 5,1 bilhões de pessoas. No fim da próxima semana, de Copenhague, virá a sinalização se a humanidade captou o dramático pedido de socorro que a Terra está emitindo.
A COP15 acaba no fim da próxima semana, e seu encerramento está sendo esperado com tal ansiedade que muitos nem sequer cogitam, por assustadora, a possibilidade de um fracasso. Talvez se deva começar a pensar com mais realismo nessa possibilidade. Por razões metodológicas e ideológicas, e também para não ampliar em demasia a pauta das discussões, dificultando ainda mais um acordo final, a questão populacional está em plano secundaríssimo em Copenhague. É estranho que ela tenha sumido dos debates sobre as soluções do aquecimento global, quando se sabe que esteve na base do seu diagnóstico desde o primeiro momento em que o aquecimento global foi visto como um perigo potencial. Quando o físico sueco Svante Arrhenius concluiu seus cálculos pioneiros sobre o efeito das moléculas de gás carbônico (CO2) no aumento da temperatura média do planeta, em 1896, a Terra era habitada por cerca de 1 bilhão de pessoas. Arrhenius foi o primeiro a perceber que o aumento na concentração de CO2 poderia aquecer demais o planeta. Pouco mais de um século depois do trabalho do sueco, a Terra tem 6,8 bilhões de habitantes e caminha para os 9,2 bilhões por volta de 2050. Serão 2,5 bilhões de pessoas a mais, e, graças ao sucesso da globalização econômica, a maioria delas atingirá um padrão de consumo de classe média. Isso tem um peso extraordinário não apenas na equação do aquecimento global, mas no frágil equilíbrio que a civilização ainda consegue manter em suas relações de rapina com o mundo natural. É enorme o impacto da explosão populacional aliado à emergência social e econômica de imensas massas humanas antes fadadas à miséria. Seus efeitos já se fazem sentir no aumento da demanda de alimentos em ritmo superior ao da oferta, como mostram as curvas do gráfico sobreposto ao globo-símbolo da COP15 nas páginas de abertura desta reportagem.
Vivo estivesse, o sueco Svante Arrhenius enfatizaria em Copenhague o fator populacional no descontrole aparente em que se encontra o efeito estufa global. A cada dia que passa, o mundo tem de sustentar 213 000 pessoas a mais. Cada ser humano adulto produz, em média, 4,3 toneladas de gás carbônico por ano sem fazer nada de mais - apenas ao acender uma lâmpada, andar de carro ou ônibus, alimentar-se e vestir-se. Esses novos passageiros da espaçonave Terra, em conjunto, passarão a responder, então, por 880 000 toneladas a mais de carbono arremessado na atmosfera. As estimativas de aumento de emissões de gases de efeito estufa contemplam o choque populacional. O documento final do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU diz com clareza que "o crescimento do produto interno bruto per capita e o da população foram os principais determinantes do aumento das emissões globais durante as últimas três décadas do século XX". Outro relatório divulgado há menos de um mês pelo Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) chama a atenção para o equívoco de desprezar o aumento populacional no debate sobre o aquecimento: "Os gases de efeito estufa não estariam se acumulando de modo tão perigoso se o número de habitantes da Terra não aumentasse tão rapidamente, mas permanecesse em 300 milhões de pessoas, a população mundial de 1 000 anos atrás". O intrigante é que, nas ações propostas para os próximos anos, o fator aumento da população desaparece.
O tema é realmente explosivo e tem conotações sombrias, por erros cometidos no passado. Com razão ou não, muitas pessoas encaram qualquer sugestão para conter o ritmo de aumento populacional como uma interferência indevida de forças estranhas no livre-arbítrio de países, famílias e das próprias mães. Razões culturais e socioeconômicas contribuem para tirar qualquer efeito prático das assombrosas constatações do crescimento populacional desenfreado. São dois os motivos principais para isso. O primeiro é que existe uma inegável disparidade no volume de emissões individuais quando se comparam cidadãos de países ricos e pobres. Um americano joga, em média, 19 toneladas de gás carbônico na atmosfera anualmente. Um afegão morador das montanhas de seu belo país contribui com modestíssimos 26 quilos de CO2. Como exigir do montanhês afegão que - quando não foi recrutado pelo Talibã para plantar papoula, matéria-prima do ópio - vive do leite de suas cabras e da hortinha no quintal que refreie seus impulsos reprodutivos usando como argumento o peso que o pobre coitado está colocando sobre o planeta? É ridículo. A maior força moral está em convencer o bem-educado e bem nutrido americano médio a repensar seu modo de vida, optando por uma sobrevivência mais frugal. Vale dizer que, embora as conversões ao naturalismo e à alimentação orgânica se contem aos milhares todos os meses nos Estados Unidos, elas são insignificantes do ponto de vista global.
A segunda razão do encalacramento da questão populacional vem da noção, bastante razoável, diga-se, de que os avanços educacionais e os saltos tecnológicos são muito mais eficientes nesse caso do que qualquer política governamental. O dinamarquês Bjorn Lomborg, estrela no grupo dos cientistas céticos quanto aos efeitos do aquecimento global e à responsabilidade humana nele, está entre os que acreditam que a solução virá do avanço tecnológico. Disse Lomborg a VEJA: "Realmente o tema não é tratado aqui. Pela ordem, eu diria que conter o consumo é um pouco mais prioritário, mas, definitivamente, apressar a busca por novas tecnologias limpas é o mais importante de tudo". O economista carioca Sérgio Besserman, ex-presidente do IBGE, que participa da COP15, descrê de qualquer política centralizada que vise a determinar ou influenciar os casais a respeito do número de filhos que devem ter. Ele lembra que a elevação do padrão cultural e educacional da população sempre coincide com a diminuição da taxa de fecundidade. "Quan-do se torna mais amplo o acesso à educação, à cultura e ao conhecimento, as populações passam a crescer em ritmo menor e até a decrescer", diz.
O caso brasileiro é ilustrativo dessa constatação. Há trinta anos, as mulheres brasileiras apre-sentavam taxas de fecundidade que se contavam entre as maiores do mundo, rivalizando com os padrões africanos. No começo da década de 90, a situação apresentava melhoras, mas ainda era preocupante. As mulheres do Brasil rural tinham então, em média, 4,3 filhos - dois a mais do que as mães urbanas. Uma década mais tarde, a diferença entre o número de filhos de mães rurais e urbanas se reduziu para 1,2. Em 2006, a taxa geral de fecundidade no Brasil havia estacionado em dois filhos por mulher. Um avanço cujo progresso só pode ser explicado pelos fatores apontados por Besserman, uma vez que as campanhas de controle de natalidade há muito foram desativadas no Brasil.
Fenômeno semelhante deve ocorrer na Ásia e na África com as melhorias educacionais e com o aumento da proporção da população urbana em relação à rural. Viver em cidades é um grande fator de diminuição do número de filhos. A ONU calcula que o somatório desses fatores terminará por estabilizar a população do planeta na casa dos 9 bilhões a partir do ano 2050. A questão é como chegar até lá sem grandes traumas. O prognóstico não é bom. Estudos científicos mostram que o mundo natural está sendo testado em seu limite para sustentar os atuais 6,8 bilhões de passageiros da espaçonave Terra. Segundo o OPT, organização inglesa que desenvolveu um indicador confiável de sustentabilidade, nos níveis tecnológicos atuais, o máximo que o planeta comporta sem risco de exaustão são 5,1 bilhões de pessoas. No fim da próxima semana, de Copenhague, virá a sinalização se a humanidade captou o dramático pedido de socorro que a Terra está emitindo.
Eles devoram mesmo
Na fotografia acima, feita no Alasca, um urso-polar arrasta a carcaça de outro. Os ursos-polares costumam matar e devorar seus pares em lutas por dominação sexual e para controle populacional. Os pesquisadores suspeitam que o degelo precoce do Ártico, atribuído ao aquecimento global, tornou o canibalismo mais frequente entre os ursos. O quadro abaixo, do inglês Edwin Landseer, do século XIX, retrata uma cena descrita por sobreviventes de um naufrágio. O urso da direita tem entre as presas um osso humano ainda com carne. Que contraste.
2 comentários:
quais eram as razões metodológicas e ideológicas que fizeram com que a questão populacional ficasse em 2º plano?
Ehh viva meu primeiro comentário *O*
Profis amei sua photo com a folhinha <3 iasoiaoisoaiso's xD [táparei
Urso-polar *--* ainda abraço um O.o' [táparei mesmo
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